segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Fernando Aguiar - GLOBALIZAÇÃO & INTERACÇÃO

Fernando Aguiar (Portugal)

GLOBALIZAÇÃO & INTERACÇÃO

1. GLOBALIZAÇÃO

A globalização do planeta é um facto, e verifica-se a todos os níveis. Com a disseminação dos meios de comunicação e de informação, sobretudo da televisão e das antenas parabólicas e, mais recentemente, dos computadores e da internet, todos os aspectos da vida das pessoas em qualquer parte do mundo tende a massificar-se, a unificar-se, a medir-se pelos mesmos padrões, fazendo com que todos sejam informados dos mesmos acontecimentos ao mesmo tempo, e reajam simultaneamente a esses acontecimentos, muitas vezes de maneiras semelhantes, como é o caso das manifestações junto às embaixadas de determinado país, quando o governo desse país faz algo que desagrada à opinião pública.

Mas a globalização não acontece apenas com os media, apesar destes serem os veículos mais poderosos e visíveis da crescente massificação. A globalização verifica-se também noutros aspectos básicos. Na maioria dos países as pessoas vestem-se da mesma maneira, comem o mesmo tipo de alimentos e entendem-se na mesma língua. Os exemplos mais paradigmáticos são a integração nos hábitos de quase toda a gente, sobretudo dos jovens, dos “hamburguers”, da comida chinesa, “jeans”, “coca-cola”, “pizzas” e da língua inglesa.

Com esta massificação, inevitável porque é também imposta pela publicidade ao serviço das grandes companhias internacionais e até por alguns governos, sempre numa perspectiva do lucro, vai-se assistindo a uma diluição das especificidades das diversas culturas, com implicações directas na vida de cada um, quer em relação aos aspectos sociais e económicos, como culturais.

Até as clivagens religiosas, que apesar de manterem as convicções próprias de cada religião têm vindo tenuemente a diluir-se, convivendo mais tolerantemente umas com as outras - como é o caso dos contactos do Papa com os líderes de outras religiões - demonstram que o mundo é realmente cada vez mais pequeno, com uma evidente tendência para a uniformização também no aspecto cultural. Se os meios de comunicação veiculam as mesmas ideias e os mesmos conceitos, é compreensível que as pessoas tenham o mesmo tipo de conhecimentos e consequentemente sintam, pensem e reajam de modos muito semelhantes.

Felizmente que essa globalização, que em muitos aspectos é positiva e bastante prática porque transmite conhecimentos necessários e facilita a comunicação entre os povos, não retirará completamente as características mais específicas de cada cultura. Porque uma das riquezas da humanidade é precisamente a pluralidade de culturas e a diversidade de costumes. Mas a realidade é que existe uma tendência crescente para a massificação dessas culturas e hábitos.

Neste contexto é evidente que a arte não se pode afastar da realidade, e a actividade artística, como reflexo da vida, traduz os sentimentos, as preocupações e as aspirações das pessoas, tanto nos aspectos sociais como estéticos, a nível técnico e de suportes artísticos, acabando por responder do mesmo modo e apresentando o mesmo tipo de soluções formais.

A difusão internacional das principais revistas de arte resulta no estabelecimento de parâmetros que vão influenciar, ainda que subconscientemente, a produção artística nos diversos pontos do globo. De certa maneira isso é salutar. É importante que os artistas se mantenham informados sobre o que se está a passar nos principais centros artísticos, embora devam ter a capacidade de distinguir a informação da massificação e do modismo.

2. INTERACÇÃO

A mudança provocada pelos factores acima referidos faz com que tudo mude muito rapidamente e que tudo se torne facilmente ultrapassado, numa atitude consumista, inerente à massificação das sociedades.

Por vezes essas mudanças são tão rápidas que acabam por se tornar imperceptíveis, fazendo com que não pareçam efectivamente mudanças (até porque quase sempre o são apenas de um modo parcial), mas que pareçam uma evolução na continuidade. Todos nós temos exemplos disso no nosso quotidiano.

A arte, mais uma vez, é um reflexo desta complexidade. Os diversos estilos e técnicas pictóricas misturam-se ou caminham a par, muitas vezes sem se distinguir o que é novo, isto é, o que revela alguma coisa de novo daquilo que é já visto e reutilizado.

Embora a arte, em muitos casos, sofra dos defeitos da globalização (massificação de processos, unificação de respostas, etc.), tem uma característica específica que apesar de estar relacionada com a globalização, revela aspectos positivos e acima de tudo criativos, que é a interacção.

É comum os artistas plásticos utilizarem nas sua obras e, por vezes, na mesma exposição, várias técnicas artísticas em simultâneo como a pintura, a colagem, a fotografia, o desenho, objectos e em certos casos ainda o video, a escultura e a instalação. Muitas vezes vão buscar inspiração a outros géneros artísticos como a dança, o teatro, a performance-arte, o cinema ou mesmo à literatura, numa atitude interactiva para que, ao relacionarem particularidades de cada uma das artes e das técnicas, produzam uma obra mais criativa e, eventualmente, inovadora.

Felizmente a arte tem essa capacidade e essa liberdade, a de interaccionar esteticamente para criar obras que contenham em si algo de novo, destruindo e ultrapassando barreiras estilísticas, géneros e conceitos artísticos.

O fim das vanguardas (e teremos que considerar que um dos últimos movimentos artísticos digno desse nome foi o movimento “Fluxus”, com início nos já longínquos anos 60 por Maciunas, Dick Higgins, Wolf Vostell, Ben Vautier, Philip Corner, Ben Paterson, Eric Andersen, Emmett Williams e alguns outros, estendendo-se a diferentes países depois de iniciado na Alemanha e nos Estados Unidos) fez, por um lado, com que os artistas mergulhassem numa espécie de planície sem pontos cardeais onde cada um poderia seguir o seu próprio caminho sem ter a preocupação de se integrar num qualquer movimento e, ao mesmo tempo, permitiu que os variadíssimos estilos estivessem todos na “moda” e se tornassem aceites e aceitáveis.

Isto leva a que exista, por um lado, uma liberalização e por outro, uma globalização, uma visão quase consensual e a mesma maneira de entender a arte. E se é importante haver essa liberdade e abertura criativa, é no entanto necessário que as pessoas e os próprios artistas não se confundam para não caírem no exagero do tudo é válido, tudo é legítimo, logo tudo é bom. O que não é, obviamente, verdade. Tanto mais que essa globalização não existe apenas a nível de conceitos e de maneiras de ver e de entender a(s) arte(s), mas também a nível de estilos e de técnicas de criação e de execução artística.

A performance-arte é um bom exemplo das estimulantes possibilidades da interacção porque vai buscar vários aspectos das diversas artes como a dança, o teatro, a pintura, escultura, música, mímica, poesia, instalação, video, etc. para, mediante a intervenção, no momento, do próprio artista, produzir “obras plásticas” com movimento e acção, resultando numa arte efémera mas criativa, interaccionando também os sentidos das pessoas na procura do entendimento do produto artístico que estão a observar.

( Comunicação apresentada no Simpósio Internacional “LOCALIZATION & GLOBALIZATION IN ART” da 4Th SHARJAH INTERNATIONAL ARTS BIENNIAL, Sharjah, Emiratos Árabes Unidos, 1999).

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